terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Mia Couto, "Venenos de Deus, Remédios do Diabo"




Muitas são as nossas motivações para a escolha / leitura de um texto. Neste caso concreto, ainda que aprecie sem restrições a escrita de Mia Couto, confesso que foi o título que exerceu em mim um apelo irresistível (fatal, porque não?!).
Não há dúvida que este título, paradoxal, funcionou como uma técnica de marketing assaz eficaz: despertou-me desde logo a atenção, gerou o interesse, estimulou o desejo, fixou-se na minha memória e não me largou até que o li... Um verdadeiro apelo ao consumo!
De acordo com o nosso saber compartilhado, “Deus” é o salvador, o “remédio” e o Diabo o “veneno”, a perdição. Mas Mia Couto inverte estes pressupostos e conduz-nos pelos caminhos de Vila Cacimba, acompanhando o (quase) médico Sidónio Rosa, que, enquanto aguarda a chegada da mulata Deolinda, vai contactando com os segredos e os mistérios dos Sozinhos, Bartolomeu e Muda, e de Suacelência e sua Esposinha.
É uma obra onde se combinam o sonho e o pesadelo, a verdade e a mentira, a solidão e os diálogos, aliás, sublimes, das personagens e que são um ingrediente fundamental na receita com que o autor nos convida a degustar a sua “estória”. A língua é permanentemente (re)inventada, não num exercício conceptual, nem para ganhar algum colorido exótico, mas porque essas foram as palavras que a história, as personagens, a narração pediram; e fazem todo o sentido naquele contexto rural moçambicano e, mesmo sendo grande a estranheza que, por vezes, nos causa, esta (re)construção da língua, este “desarranjo” da gramática portuguesa são feitos com tal mestria que nos leva a pensar que não havia outra forma de dizer o que se diz ou sentencia.